Os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), também denominado simplesmente de autismo, têm atraído crescente atenção pública devido à sua alta prevalência, elevado custo econômico e social e grande impacto aos familiares. De acordo com o texto revisado do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-TR), o autismo é dividido em autismo clássico, autismo não especificado e síndrome de Asperger. Estudos epidemiológicos recentes nos Estados Unidos da América revelam a prevalência de um diagnóstico de TEA para cada 88 crianças com desenvolvimento típico. Apesar da grande variabilidade no quadro clínico, esses transtornos comprometem o desenvolvimento através de três manifestações principais: alterações qualitativas na interação social, alterações nas habilidades de comunicação e presença de comportamentos e interesses estereotipados e repetitivos. O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo médico psiquiatra Leo Kanner, e desde então se tem ampliado o número de estudos sobre o TEA. Apesar disso, ainda não se conhece a etiologia e sua base molecular está superficialmente compreendida. Mesmo depois de estabelecidas diversas evidências de alterações neurológicas, genéticas e imunológicas relacionadas ao transtorno, ainda não existe um marcador biológico definido. É justamente a ausência desse marcador que torna muito difícil o estabelecimento de um diagnóstico precoce. Como consequência, o início do tratamento frequentemente é tardio, considerando que as primeiras manifestações dos sintomas podem ser percebidas somente ao redor de três anos de idade, concomitantemente com a possibilidade de realizar o diagnóstico. Estudos epidemiológicos demonstram que para o desenvolvimento do autismo, além da predisposição genética, é necessária a interação com fatores ambientais. Assim, o autismo é caracterizado como um transtorno multifatorial, sendo que alterações epigenéticas possivelmente estão relacionadas ao seu desencadeamento. Nesse sentido é possível, por exemplo, detectar padrões diferenciais de expressão de microRNA (miR) e do conteúdo de DNA nuclear no autismo. Os miR são sequências de aproximadamente 22 nucleotídeos de RNA dupla fita não-codificante. Eles atuam na regulação da expressão de genes específicos, geralmente inibindo a produção proteica por afetar a tradução e/ou estabilidade do RNA mensageiro (RNAm) alvo. Essas moléculas desempenham importantes papeis biológicos, estando associadas a muitas funções do ciclo celular, expressão gênica neuronal e perfil sináptico. Padrões alterados de expressão de miR têm sido correlacionados com várias patologias de natureza multifatorial, incluindo o autismo. O outro fator analisado, o DNA nuclear, consiste no conteúdo de DNA livre circulante no sangue. A sua quantificação no soro é utilizada para avaliar morte celular, que é proporcional à quantidade de DNA circulante. Em situações de dano celular, quadros de doenças como o câncer e durante processos inflamatórios há um aumento de DNA nuclear circulante. Fundamentado nessas informações, os principais objetivos do presente trabalho, exercido pelo grupo de pesquisa que participo, foram a quantificação e comparação do padrão de expressão de 26 miR, em 8 crianças com autismo clássico e 5 crianças com desenvolvimento típico, e a quantificação e comparação do DNA nuclear em 19 crianças com autismo clássico e 17 crianças com desenvolvimento típico. Ambos os experimentos foram feitos através da técnica da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em tempo real, através do sistema SYBR Green® . Para os miR, a análise estatística aplicada foi o Teste T para amostras independentes, considerado significativo para p<0,05. Verificou-se que 6 miR apresentaram expressão alterada nos pacientes com autismo em relação ao grupo controle. Um deles é o miR-34c, que mostrou expressão relativa aumentada nos pacientes com autismo. O miR-34c apresenta atividade antiproliferativa não associada com apoptose, sendo capaz de induzir a parada do desenvolvimento celular quando super-expressado. Esse miR atua na inibição do RNAm da proteína c-myc, que é o seu principal alvo. A c-myc está relacionada com inúmeros mecanismos celulares, dentre eles proliferação, diferenciação, renovação, metabolismo e ciclo celular, apoptose e angiogênese. A expressão do gene C-MYC é indispensável durante o desenvolvimento embrionário normal, e a sua desregulação é um dos principias fatores relacionados a alterações em funções celulares. Foi observada a redução da concentração de DNA nuclear no soro dos pacientes com autismo. Nesse transtorno, o possível bloqueio da proteína cmyc pela expressão aumentada do miR-34c reduziria a proliferação e a atividade celular, mas aumentaria os níveis de sobrevivência. Com as células morrendo menos, ocorreria um aumento no seu número e uma redução do DNA nuclear circulante. Isso poderia justificar o maior número de células encontrado em algumas regiões encefálicas dos pacientes com autismo, como o córtex pré-frontal e amígdala. Esses resultados são bastante promissores para os avanços nos estudos dos mecanismos envolvidos no autismo. Uma próspera perspectiva de aplicação dos mesmos está no desenvolvimento de exames diagnósticos e tratamentos mais específicos para esse transtorno. Nesse sentido, o conjunto dos 6 miR que estão alterados pode ser usado como ferramenta para contribuir com o diagnóstico. Este projeto, portanto, é inovador e tecnológico, pois pode resultar na elaboração de um kit de diagnóstico precoce, visto que ainda não se tem marcador clínico específico para o autismo. Inclusive já existe interesse empresarial no desenvolvimento do kit, caso o mesmo seja validado. Assim, além de contribuir para o diagnóstico precoce, esses miR alterados podem servir como pistas para a compreensão da etiologia. Em função disso, novos estudos serão desenvolvidos no laboratório para ampliar o número amostral e buscar os alvos dos miR estudados.
Duração | 07:53 |
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Website | http://hdl.handle.net/10183/106254 |
Ano de produção | 2012 |